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No quiproquó cearense, não há lado a ser defendido


A semana pré-carnavalesca, já bastante agitada pela escalada de tensões entre o governo Bolsonaro e o Congresso - evidenciada pelo desabafo do General Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional - e pelas crescentes pressões sobre Paulo Guedes, ministro da Economia, para entregar melhores resultados na área, teve seu clima de tensão reforçado com os desdobramentos da greve da Polícia Militar no estado do Ceará.

Tais desdobramentos foram - da maneira mais gritante possível - evidenciados pelo episódio bizarro - e quase trágico - envolvendo militares amotinados em um quartel de Sobral e o senador Cid Gomes (PDT), que tentou entrar na instalação militar com uma retroescavadeira, sendo baleado pelos policiais no ato. Por si só já não seria fácil explicar a um estrangeiro - ou mesmo a algum analista político daqui - uma situação dessas.

Diante dos fatos - e tendo em vista as paixões políticas já expressadas - é preciso que se faça as necessárias ponderações sobre a situação caótica no Ceará situação essa com risco significativo de se alastrar para outros estados - haja vista a inacreditável concessão de reajuste feita por Romeu Zema (NOVO), governador do falido estado de Minas Gerais, aos policiais de lá, por exemplo:

Em primeiro lugar, a Constituição Federal (CF), no Art. 142, parágrafo terceiro, inciso quarto, é bem clara e inequívoca: “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”. Muito embora o veto ao primeiro ponto acabe, de facto, sendo driblado por meio das associações representativas (que, via de regra, participam das negociações salariais com o governo), o segundo é, simplesmente, impossível de burlar. Portanto, o que normalmente se chama de greve é, na verdade, motim, crime previsto no Art. 149 do Código Penal Militar (CPM).

Independente se você concorda ou não com as reivindicações do movimento - algumas delas já atendidas pelo governo estadual, que ofereceu um reajuste escalonado de 40,6% nos salários até 2022, está bem evidente que este é ilegal, portanto, sujeito às devidas penalidades. Além disso, atitudes como a de policiais encapuzados ordenando toque de recolher em Sobral, bem como a de invasões de batalhões a fim de impedir a saída e circulação de viaturas, são de comportamento miliciano, não policial - a propósito, pode muito bem se enquadrar no Art. 150 do mesmíssimo (CPM).

Em segundo lugar, mesmo considerando a clara ilegalidade do movimento paredista, não é papel de Cid Gomes, enquanto senador licenciado e ex-governador de seu estado, bancar o “xerife” solitário e partir para a ação direta. Trata-se de um assunto da alçada da atual administração estadual, sob a liderança do governador Camilo Santana (PT). O máximo que o parlamentar poderia fazer, enquanto tal, é articular e intermediar uma forma de debelar o movimento. Nunca forçar a entrada em um quartel com uma retroescavadeira, colocando em risco a integridade física ou mesmo a vida dos manifestantes.

A atitude, mais que um simples “desatino”, foi irresponsável e inconsequente, além de ter reforçado a percepção de que o clã Ferreira Gomes - liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, além de ter o também irmão Ivo Gomes como prefeito de Sobral - age de maneira coronelista sobre o estado do Ceará, e acabou sendo contraproducente, pois inflamou ainda mais os ânimos da tropa, aumentando a adesão à paralisação.

Em terceiro e último lugar, mas não menos importante: ainda que Cid Gomes esteja errado em recorrer à justiça com as próprias mãos para dar fim ao protesto dos policiais (o curioso é que um setor da esquerda que, via de regra, se opõe a tal meio, passe a defendê-lo agora), é gravíssimo o fato de se disparar - ainda mais utilizando munição letal - contra um senador da República, fato esse que, por muita sorte, não resultou na morte do parlamentar.

E mesmo o argumento de “legítima defesa” - empregado por influenciadores bolsonaristas em apoio aos militares amotinados - não é tão óbvio quanto se parece (recomendo, inclusive, a leitura deste artigo de Davi Tangerino, doutor em Direito Penal e professor, no Jusbrasil): primeiro, porque a parte “agredida” estava, tal como o “agressor”, cometendo crime (ou melhor, crimes); segundo, haveria questionamentos quanto à necessidade e proporcionalidade no uso da força para parar o avanço da retroescavadeira pilotada pelo senador, uma vez que foi empregada munição letal e visando acertar uma região com vários órgãos vitais.

Em suma, o que temos são policiais amotinados, que, para além do próprio crime de motim, cometem diversos outros crimes - inclusive atacar veículos de quem faz críticas ao movimento -, um Senador da República que extrapola suas funções, tentando agir como um justiceiro, e os mesmos amotinados respondem tentando matar este mesmo senador.

Trocando em miúdos: não há lado a ser defendido nessa confusão. O resto é diversionismo.

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