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QUE PAÍS É ESSE II - A nova visita do Grilo Falante ao fantástico mundo de Nárnia!

Atualizado: 13 de fev. de 2020

Por Silvio Miranda Munhoz , Procurador de Justiça.

Quem leu o conto anterior, recorda, com certeza, a decepção e o desalento do nosso personagem após sua primeira visita à Nárnia, mas como convicto otimista, crente na bondade humana, resolve voltar e dar mais uma chance, quem sabe a primeira impressão fora equivocada.

Para sua segunda visita escolhe uma das localidades do intermédio de Nárnia, chamada Calormânia, local que, segundo lhe contaram, é muito ensolarado e habitado por um povo pacífico que fala uma língua engraçada, meio cantada e adoram usar expressões como: "e ae, meu Rei"; "Oxente"; "Painho, Mainha" etc.

Chegando em Calormânia, no entanto, o Grilo percebe muita agitação, indignação, mas, principalmente, tristeza em um povo que lhe tinham dito ser pura alegria.

Busca se informar e logo descobre que naquela madrugada quatro Centauros Alados (vimos no conto anterior, serem os responsáveis pelo transporte público em Nárnia, pois atendem a uma coisa chamada aplicativo) haviam sido emboscados, torturados e mortos – um quinto fugiu, quando um dos assassinados entrou em luta corporal com um dos Lobos ferozes -, a mando do Chefe de uma gangue, que vende aquelas pedras, por muitos, fumadas em cachimbos.

Qual o porquê? Ainda não se sabia ao certo, alguns diziam que era para se apropriar dos pertences dos Centauros, outros afirmam que a Mãe do Chefão daquela matilha solicitara um Centauro Alado e este cancelara o atendimento por entender ser perigoso o local da chamada. Furioso, então, o Lobo-Chefe mandou chamar outros Centauros e matá-los como forma de vingança.

O Grilo não consegue acreditar em tal situação, tinham lhe informado que o regulamento maior das Terras de Nárnia, o ápice da pirâmide regulamentar, vedava castigos de morte e de tortura, como isso podia acontecer!..

Mais consternado, ainda, fica quando sobrevoa próximo aos parentes dos Centauros Alados mortos e ouve impactantes relatos:

Lázaro, pai de um dos Centauros, diz: "é uma dor insuportável, meu coração está ferido, sangrando. Meu coração está ferido de dor, eu não esqueço meu filho nunca, todo dia eu ligo para ele para ver se ele me atende, como ele fazia antes".

Já Analu, madrinha de um dos Centauros, complementa: "a gente quer justiça porque até hoje, como meu irmão falou, não teve ajuda de ninguém. Eu quero saber cadê os direitos humanos para a gente?".

Após ouvir esses reclamos começa a se perguntar, o que acontece com essa gente? Como vítimas sobreviventes de crimes ou seus parentes são tratados em Nárnia? O que é feito para aplacar suas dores, suplantar eventuais problemas psicológicos ou até materiais, oriundos da perda de familiar que ajudava no sustento da família, com honesto trabalho?

Segue voando, mas, por estar imerso nesses pensamentos acaba topando em Trumpkin (um anão vermelho), para quem acaba fazendo essas perguntas. Trumpkim, em resposta, indica ao Grilo que ouça um vídeo de nome amordaçados[1], narrativa fiel do que acontece com os familiares e eventuais vítimas sobreviventes em Nárnia.

Assiste, então, o documentário e após longo tempo de imersão no drama dos familiares - cujos relatos deixaram inquieto seu canal lagrimal -. Porém, durante o filme, é entrevistado alguém pertencente a um organismo, cuja sigla não conhece, mas pelo teor do discurso julga ser a Organização de Aplauso aos Bandidos. O entrevistado, diretor de um tal Departamento dos Direitos dos Manos, o deixa deveras irritado, ao declarar, quando perguntado sobre como contar para o  sofrido pai que ainda vai ter de arcar, ao pagar impostos, com a ressocialização do matador de seu filho: "que a solução não passa por aumentar a repressão policial, pena de morte, nem prisão resolvem e que faz parte do curso da sociedade e, infelizmente, a gente vai ter de explicar para esse pai pela lógica, por maior que seja a dor, que faz parte do esforço social promover a recuperação daquele indivíduo, por pior que ele seja, caso contrário vamos viver uma guerra permanente, onde as únicas soluções serão pena de morte e campo de concentração".

Apavorado, pergunta a Trumpkin como chegara Nárnia a esse ponto. O Anão conta ser essa mais uma tática de Jadis Alternativa, a Feiticeira Branca, que, no seu afã incansável  por poder, adotara a tese de outro Italiano vermelho e busca atingir seu objetivo não atacando exércitos e fortalezas, mas escolas, faculdades etc, ou seja, atacando ideias e buscando a hegemonia cultural para fazer prevalecer seu ideário e assim governar, eternamente, o reino de Nárnia.

Acabrunhado, estristecido e pensativo, resolve o Grilo falante ir embora de Nárnia, mas carrega na mente, perguntas que não querem calar? Que País é esse, cujo povo sofrido, trabalhador e honesto é entregue à sanha dos maus? Que país é esse onde os maus recebem tudo, de mão beijada, e existem inúmeras entidades para sua proteção e, em contrapartida, as vítimas de seus crimes são relegadas ao ostracismo e ao mais retumbante silêncio? Que País é esse que teima em não ver o choro, o sofrimento, o medo, a dor da grande maioria de cidadãos honestos que o habita e só quer trabalhar e ser feliz? Como explicar isso em qualquer outro lugar do mundo?  

No voo de regresso, vai pensando, bem que Geppeto poderia fazer narizes de Pinóquio para que esse povo sofrido percebesse, imediatamente, quem está mentindo e é seguidor de Jadis.

Ps1: Não sei o porquê, mas sempre que leio esses contos de Nárnia tenho uma sensação de déjà-vu.

PS2: Importante lembrar, embora embasado em alguns dados reais, o presente conto é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, além de os fatos aqui narrados poderem estar superdimensionados, afinal, como diz o ditado quem conta um conto aumenta um ponto.

[1] NA: Referência ao documentário "Silenciados", cuja projeção deveria ser obrigatória para todos que trabalham com persecução penal, com reprises, também, obrigatórias de tempos em tempos. Não deixem de assistir.

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