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CPMI, Folha e desmentidos que não desmentem

Por Marcos Lannes Jr., engenheiro de produção e servidor público.

Ontem, o que era para ser apenas mais um dia na normal anormalidade que grassa na política brasileira acabou ganhando contornos, digamos, pitorescos: o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) resolve convocar Hans River, ex-funcionário de uma empresa supostamente envolvida no esquema de disparos automáticos de mensagens para impulsionar a campanha de Jair Bolsonaro - então candidato e atual presidente da República - para a CPMI das Fake News, uma tentativa da oposição de reproduzir aqui a narrativa dos “hackers russos” que fizeram Donald Trump vencer a eleição nos EUA em 2016.

No entanto, o que pareceria ser um depoimento para torpedear o atual governo acabou se revelando um enorme tiro no pé para Falcão: para começo de conversa, Hans disse que a Yacows, empresa para a qual ele trabalhava na ocasião, prestava tal serviço para, veja bem, o PT. Informação que aponta para um sentido diametralmente oposto ao da reportagem-bomba da jornalista Patrícia Campos Mello, publicada no jornal Folha de S. Paulo em outubro de 2018, a praticamente uma semana do segundo turno das eleições daquele ano.

Entre outras coisas, ele ainda disse que prestou serviços para as campanhas de Fernando Haddad, candidato presidencial pelo PT, e Henrique Meirelles, candidato pelo MDB e, no momento mais bizarro de sua fala, disse que a Sra. Mello queria que colaborasse para a matéria a troco de sexo.

Evidente que, diante de uma situação digna de plot twist, a Folha iria reagir. E a reação veio ainda à noite, com uma reportagem o acusando de ter mentido no depoimento, inclusive apresentando supostos prints das conversas entre ele e a jornalista - e a propósito, vazar conversas privadas agora pode? Sinais do “vazajatismo” que parece ter moldado a ética do que se convém chamar de jornalismo…

Antes de qualquer insinuação, é bom deixar claro: não ponho a mão no fogo pelas afirmações do ex-funcionário da Yacows, da mesma forma que não faço o mesmo pela jornalista da Folha. Diante das divergências apresentadas, uma acareação colocando os dois frente a frente na CPMI seria uma forma de se passar a limpo a situação (inclusive fica a dica aos deputados da base governista, em vez que se resumirem a “cantar vitória”). Afinal de contas, se a Sra. Mello fala a verdade, ela não teria nada a temer em um possível confronto com o Sr. River, certo?

Dito isso, é preciso frisar dois pontos: o primeiro, é que a reportagem da Folha que “desmente” o depoimento de Hans River não desmente o argumento principal apresentado por ele - o que de que ele trabalhou com disparos em massa de mensagens em prol de outras campanhas (em vez a do atual presidente), tampouco confirma a tese central da reportagem da Folha publicada em 2018. O máximo que é possível dizer - presumindo que a matéria de ontem do jornal é verdadeira - é que os argumentos laterais apresentados ontem são, de fato, mentirosos.

O segundo, considerando essa presunção de veracidade, é um questionamento que, por mais que passe batido por alguns - sobretudo da imprensa, que, bovinamente, optaram pela gritaria contra o depoente: se o Hans River é um mentiroso, como a Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha - assim como o próprio jornal - optaram por prosseguir com uma matéria contendo acusações gravíssimas contra um então candidato presidencial e, posteriormente, presidente eleito tendo como uma de suas principais fontes alguém de tão pouca confiabilidade? Na prática, a credibilidade da Folha estaria arranhada nessa situação. E, veja bem, esse é o mais ameno dos cenários.

De qualquer forma, creio que nem o mais otimista em relação ao governo esperava uma reviravolta tão espetacular assim. Aguardemos as cenas dos próximos atos dessa ópera bufa, portanto.

Foto por Jane de Araújo/Agência Senado

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